quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Trechos II


Foi numa dessas manhãs sem sol que eu percebi o quanto já estava dentro do que não suspeitava. E a tal ponto que tive a certeza súbita de que não conseguiria mais sair. Não sabia até que ponto isso seria bom ou mau - mas de qualquer forma não conseguia definir o que se fez quando comecei a perceber lembranças espatifadas pelo quarto. Não que houvesse fotografias ou qualquer coisa de muito concreto - certamente havia o concreto em algumas roupas, uma escova de dentes, alguns discos, um livro: as miudezas se amontoavam pelos cantos. Mas o que marcava e pesava mais era o intangível.
(...) Tudo isso me perturbava porque eu pensava até então que, de certa forma, toda a minha evolução me conduzira lentamente a uma espécie de não-precisar-de-ninguém. Até então aceitara todas as ausências e dizia muitas vezes para os outros que me sentia um pouco como um álbum de retratos. Carregava centenas de fotos amarelecidas em páginas que folheava detidamente durante a insônia e dentro do ônibus olhando pelas janelas e nos elevadores de edifícios altos e em todos os lugares onde de repente ficava sozinho comigo mesmo. Virava as páginas lentamente, há muito tempo antes, e não me surpreendia, nem me atemorizava pensar que muito tempo depois estaria da mesma forma de mãos dadas com outro eu amortecido - da mesma forma - revendo antigas fotografias. Mas o que me doía, agora, era um passado próximo.

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